Uma passarela de luz diante dos músicos da Orquestra Filarmônica de Los Angeles vai ser o próximo cenário para os passos do Grupo Corpo, de Belo Horizonte. O grupo Corpo vai estrear o balé “Estância”, em Los Angeles, uma encomenda do maestro-estrela Gustavo Dudamel com a música do argentino Alberto Ginastera. É a primeira vez que a companhia mineira vai dançar com orquestra ao vivo.
Dudamel propôs a criação da coreografia sobre a música de Estância, do compositor Alberto Ginastera (1916-1983), um de seus compositores favoritos, que ele constantemente programa. As obras do argentino são pilares da música de concerto sul-americana. E Ginastera – cuja morte está completando 40 anos dia 25 de junho – foi ainda o primeiro professor de Astor Piazzolla.
“O convite chegou em 2019. Dudamel propôs o projeto conjunto e é uma alegria colaborar com esse artista brilhante, inquieto, com olhar social”, conta o diretor artístico Paulo Pederneiras. Com a pandemia, a parceria foi suspensa e retomada no início desse ano.
Já em agosto, Estância chega ao Brasil. Dias 3, 4 e 5, a Filarmônica de Minas Gerais abre sua Sala para um programa que tem a nova coreografia e também peças de Marco Antônio Guimarães (escritas para a companhia mineira em 2015 e gravadas pela orquestra) e de Grieg. A regência é do diretor artístico e titular Fabio Mechetti.
Espaço desafiador
Rodrigo Pederneiras, que morou na Argentina em sua juventude, conhece muito bem a música de Ginastera. “É uma peça muito conhecida, principalmente na Argentina. Sempre gostei muito dela”. Como acontece em todas as criações, ele é guiado pela música. “Embora a peça seja narrativa, acompanhando um dia na vida do fazendeiro, o balé não segue a linha figurativa. Temos toda a companhia dançando, os 21 bailarinos, com cenas de tutti e também solos, pas-de-deux e grupos menores”.
Estar na cena junto com a LA Philharmonic e a Filarmônica de Minas Gerais traz a questão do espaço para a movimentação dos bailarinos “Em Los Angeles, por exemplo, dispomos de uma faixa de movimentação na frente da orquestra, de cerca de 5,5m por 20m. Não há coxias, não há pernas [anteparo lateral no palco]… São limitações, mas também impulso para encontrar um novo formato”, garante Rodrigo.
Paulo Pederneiras se debruçou sobre os desafios do palco do Hollywood Bowl, que recebe cerca de 18 mil espectadores. “É um espaço muito diferente dos teatros em que habitualmente nos apresentamos. A iluminação não será um recurso cênico e, naturalmente, não teremos cenário”.
“É uma alegria constatar o reconhecimento do nosso trabalho por um dos mais importantes regentes da atualidade e uma das maiores orquestras do mundo”, arremata Paulo. “E estrear no Brasil com a Filarmônica de Minas Gerais, grupo excepcional”.
programação em minas
A estreia brasileira de Estância vai acontecer na parceria com a Orquestra Filarmônica de Minas Gerais, em três apresentações de 3 a 5 de agosto, sob a batuta do diretor artístico e regente titular Fabio Mechetti. A Filarmônica e o Grupo Corpo se encontram pela primeira vez no palco nessa apresentação de Estância, mas já estiveram juntos em estúdio: a orquestra mineira gravou a trilha do balé Dança Sinfônica, criada por Marco Antônio Guimarães para as comemorações dos 40 anos do grupo, em 2015.
“Para exaltar ainda mais a celebração dos 15 anos da Filarmônica, nos unimos a um dos maiores patrimônios culturais mineiros, em sua seriedade e excelência do trabalho – e da penetração que esse trabalho tem tanto em Minas quanto no exterior. A riqueza artística da soma de música e dança transforma positivamente nossa sociedade”, afirma o maestro Fabio Mechetti.
As Seis Danças Sinfônicas, criadas por Marco Antonio Guimarães para a celebração dos 40 anos do Grupo Corpo, e as Danças Norueguesas de Grieg, compostas em 1881 a partir de bailados folclóricos de seu país, abrem a noite.
Alberto Ginastera e Estância
A peça foi criada como música de balé em 1941, por encomenda do coreógrafo Lincoln Kirstein para a American Ballet Caravan, que já tinha dançado a sua anterior Panambi. O compositor se debruçou sobre os poemas de José Hernandez, selecionando El Gaucho Martin Fierro (1872), libelo contra a política oitocentista que estimulava os “gaúchos” a dizimar as populações indígenas. Ginastera mescla o conteúdo original com um arco temporal, que acompanha as fases de um dia, do amanhecer ao seguinte, com a chegada de um rapaz da cidade ao campo, onde se apaixona por uma jovem local e tem de se provar “gaúcho”, merecedor do seu amor.
Mas a companhia de Kirstein (que seria cofundador do New York City Ballet em 1948) se desfez – e Ginastera transformou quatro movimentos da música em uma suíte orquestral. Teria sua estreia como ballet em 1952 no Teatro Colón de Buenos Aires, com coreografia de Michel Borowski. Estreou no New York City Ballet em 2010 com coreografia de Christopher Wheeldon. E a música sinfônica continua a ser programada em concertos.
O maestro Fabio Mechetti traz sua análise da peça: “Estância é, talvez, a obra mais famosa de Ginastera. Nela, ele consegue unir a rusticidade do folclore rural argentino ao lirismo que também caracteriza a música de raiz do nosso país vizinho. Como não poderia deixar de ser, ela tem uma dominância rítmica bastante acentuada, uma orquestração que valoriza os instrumentos de percussão e, nesta versão, conta também com a participação de um narrador/cantor, que conecta a ação à narrativa musical que se desenvolve”. Ele acrescenta: “a peça é frequentemente apresentada em sua versão sinfônica reduzida – que, aliás, será apresentada por nós na semana seguinte, dentro da programação anual da Filarmônica”.
“Estância é, na obra de Ginastera, o que o Bolero representa na de Ravel”, afirma a filha do compositor, Georgina, em entrevista para o jornal La Nación [1]-. E, por sua permanência, se tornou um ícone da música latino-americana do século XX.”