Na nova exposição do artista Diego Mouro, intitulada “e também as flores”, o público é convidado a adentrar um universo que entrelaça ancestralidade, religiosidade e uma poética visual única. A mostra fica em cartaz na Mitre Galeria de 26 de outubro a 30 de novembro e traz como ponto central a relação entre o corpo negro e suas histórias, sempre vivas e pulsantes, e o sincretismo que envolve a cultura afro-brasileira, especialmente a devoção à Nossa Senhora do Rosário, figura de grande importância para as fraternidades negras no Brasil. Em agosto de 2024, o congado foi reconhecido como patrimônio cultural, reforçando a relevância dessas tradições para a identidade afro-brasileira. Através de suas pinceladas, Diego resgata não apenas a memória dessas fraternidades, mas também traça um paralelo entre a tradição e o presente, colocando as flores como símbolo de devoção e resistência.
“Para mim, a ancestralidade não é algo do passado, ela é um presente que se alarga continuamente. Quando pinto flores, estou falando daquelas que foram oferecidas por fraternidades negras para Nossa Senhora do Rosário, mas também daquelas que serão ofertadas no futuro. É uma conexão que transcende o tempo”, explica Mouro, ao discutir como sua obra se desdobra além das representações convencionais do negro na arte. O título da exposição, que à primeira vista pode parecer um simples detalhe poético, é uma chave para compreender essa relação mais profunda entre devoção e arte. “As flores são mais do que elementos decorativos, elas são oferendas, são manifestações de fé, e é nessa intersecção que trabalho.”
“Quando Diego nos trouxe o conceito da exposição, percebemos o quanto ele dialoga com o propósito da Mitre Galeria de promover narrativas que unem a estética com o poder das tradições e da memória”, afirma Rodrigo Mitre, fundador da Mitre Galeria. “Sua obra tem a capacidade de fazer essas conexões de forma intensa e sensível”.
Diego, que se autodenomina herdeiro da tradição pictórica de artistas negros do século XIX e início do XX, como Arthur Timótheo e Emmanuel Zammor, também desafia as expectativas ao inserir flores em suas narrativas visuais. Essas flores, no entanto, não são apenas decorativas. Elas se tornam símbolos de resistência e de uma história de emancipação que atravessa os séculos. “A pintura de flores tem uma tradição acadêmica na arte a óleo, mas eu busco ir além da estética. Para mim, elas são uma forma de falar da luta dos negros no Brasil, das fraternidades que, durante a escravidão, juntavam dinheiro para comprar a liberdade dos seus”, destaca o artista.
O trabalho de Mouro tem um impacto político e estético que subverte as expectativas. Em um momento em que muitos artistas negros são pressionados a explorar o trauma e a violência racial, Diego traz a beleza e a espiritualidade como formas de resistência. As flores em suas obras não são apaziguadoras, mas sim potentes mensageiras de uma herança que não pode ser esquecida. A partir dessa abordagem, a exposição se diferencia ao não ceder ao apelo fácil das representações trágicas, mas ao invés disso, oferece um olhar complexo sobre a experiência negra no Brasil.
Os elementos florais presentes nas obras de Diego Mouro têm raízes profundas tanto na iconografia católica quanto nas tradições afro-brasileiras, como as congadas e os reinados. “A flor é um veículo de devoção. Oferecemos flores tanto no candomblé quanto para os santos católicos. Elas carregam em si a mística das nossas crenças, e, ao pintá-las, estou convidando o público a participar desse diálogo espiritual”, reflete o artista. Assim, as flores tornam-se, em seu trabalho, pontes entre o terreno e o sagrado, entre o passado e o presente, sempre conectadas à ancestralidade.
A exposição “e também as flores” é, portanto, uma viagem imersiva por essas narrativas visuais e culturais. Para o Rodrigo Mitre, a escolha de manter-se fiel à técnica de óleo sobre tela reflete o compromisso de Diego com uma arte que respeita as tradições, ao mesmo tempo que desafia as convenções contemporâneas. “Ele utiliza a técnica de forma magistral, mas não como um fim em si. O óleo sobre tela é o meio pelo qual ele materializa suas conversas com as pessoas flores e nos convida a fazer parte dessa história contínua”, finaliza.
A exposição não apenas celebra o legado cultural das fraternidades negras, mas também questiona e expande a noção de ancestralidade, propondo um tempo circular, no qual passado e presente coexistem. Para Diego Mouro, arte é memória viva. Ao criar uma aliança entre os mundos visível e invisível, sua obra não só preserva, mas também renova e atualiza as tradições culturais negras. Como ele mesmo afirma: “A ancestralidade não é sobre o que passou, é sobre o que ainda vive em nós. E também as flores.”
SERVIÇO
Exposição “e também as flores” de Diego Mouro, na Mitre Galeria
Abertura: 26 de outubro, das 11 às 17h
Visitação: 29 de outubro a 30 de novembro
Terça a sexta-feira, das 10 às 19h
Sábado, das 10 às 16h
Endereço: R. Tenente Brito Melo, 1217, Barro Preto, Belo Horizonte
Instagram: @mitregaleria | @diego.mouro
mitregaleria.com