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ter, 14 janeiro 25

“Residir a Cava”: projeto artístico une som, luz e performance

Proposta da artista Morgana Mafra convida Luiz Pretti, Flávia Mafra e Luiz Naveda para habitar e refletir sobre as cavas minerárias desativadas de Belo Horizonte, a partir das linguagens de vídeo, áudio e performance; projeto mantém exposição na vitrine do CRDança, no Teatro Marília, até o final de fevereiro de 2025

 Após décadas de exploração, o que a cava de uma mina aberta e em desuso representa para a sociedade? O que os imensos buracos na terra esvaziados de metais preciosos dizem sobre quem fomos ou queremos ser? É a partir de provocações como essas que o projeto “Residir a Cava” propõe criações artísticas em minas abertas de Belo Horizonte, por meio de composições sonoras, luminosas e de performances, em diálogo com outras múltiplas linguagens da arte.

Idealizado pela artista da dança e plasticidades Morgana Mafra, tendo como convidados os artistas Luiz Pretti, Flávia Mafra e Luiz Naveda, o projeto é viabilizado pela Lei Municipal de Incentivo à Cultura de Belo Horizonte. As criações podem ser acompanhadas pelo público em um website atualizado constantemente com fotos, vídeos, anotações e outros registros de deambulações, processos de criação e trabalho, e também por meio das redes sociais do projeto. Junto a isso, acontece uma residência artística instalada na vitrine do CRDança, no lado externo do Teatro Marília, como uma galeria viva em movimento, onde acontecem performances e desdobramentos do trabalho.

“Residir a Cava” parte de uma pesquisa realizada em cavas minerárias desativadas na região Leste de Belo Horizonte, nas proximidades da Serra do Curral. A região, rica em diversidade de fauna e flora, incluindo espécies ameaçadas de extinção, como o lobo-guará, é tombada pelo Patrimônio Municipal desde 1990. Antes, porém, foi explorada por décadas pela atividade minerária, e ainda hoje sofre com disputas por território e ocupação.

“Essas minas desativadas são lugares em crise. Há conflitos políticos e de território. Durante todo o processo criativo, visitando as minas, fomos guiados por uma pergunta principal: ‘quais movimentos a paisagem de uma cava minerária a céu aberto engendra?’ A proposta é ver o que se passa em relação às atividades no local, ‘dar peso e forma’ a processos invisíveis ou escondidos. Trabalhar esse território com suas dimensões simbólicas, (per) formais e políticas. E a escolha das linguagens artísticas tem a ver com esse desejo, que diz sobre lançar luz sobre o lugar, trazer o som do lugar e o movimento do lugar”, diz Morgana.

Nascida em Itabira, terra do poeta Carlos Drummond de Andrade e berço da mineração em Minas Gerais, Morgana cresceu ouvindo o som contínuo das máquinas trabalhando à noite nas minas. “Eu tenho muita memória sensorial, visual, da horta lá de casa brilhando, coberta de minério de ferro. Da sala de aula, de sentir o prédio escolar tremendo com as explosões da mineração. De tão naturalizado, por ter nascido e crescido ali, eu achava que o barulho das minas à noite era silêncio, mas aquilo me angustiava, até eu sair de Itabira, voltar, e perceber que esse barulho eram sons das máquinas. Um absurdo”, conta Morgana.

 Inspirações artísticas

Não à toa, as reflexões derivadas do projeto “Residir a Cava” dialogam abertamente com as teorias do absurdo — presentes na filosofia de Albert Camus e no teatro de Samuel Beckett, por exemplo, e que discorrem, grosso modo, sobre as tensões inextinguíveis entre o ser humano e o mundo. Além disso, o projeto também é influenciado pelas percepções históricas e socioculturais dos artistas, que desaguam uma série de questionamentos sobre os impactos da mineração e a relação da sociedade com o minério.

Junto à Morgana Mafra, que desenvolveu um trabalho principalmente com as linguagens da dança e das artes plásticas, também participaram da residência Luiz Naveda, especialista em obras musicais e multimídia voltadas para dança, música e sistemas interativos; Flávia Mafra, iluminadora de espetáculos e shows, com formação em palhaçaria, improvisação, dança e gravura; e Luiz Pretti, diretor, montador de cinema e músico. Outros artistas também atuam como “provocadores”, ajudando na transmutação de ideias e experimentações para os processos. Entre os convidados estão o coreógrafo colombiano Vladimir Rodriguez, a diretora e coreógrafa mineira Dudude, o ator Marcelo Castro, que tem formação transdisciplinar entre performance, teatro e dança, e o dramaturgo e performer Anderson Feliciano.

Da cava para a vitrine

Juntos, eles desenvolveram, além das ações artísticas nas cavas, experiências criativas na vitrine do CRDança, na área externa do Teatro Marília. Os encontros acontecem todas às terças-feiras, entre 19h e 21h, até o próximo dia 18/12 (quarta-feira). Depois, até o fim de fevereiro de 2025, a vitrine do CRDança abriga uma exposição da residência. Neste espaço, os artistas mostram trabalhos que unem vídeo, som e luz, em diálogo com outras linguagens, como a escultura, a dança e a instalação.

“Esse contraste nos interessa. Fizemos ações em cavas minerárias, lugares escondidos para a população. E estamos realizando processos de criação artísticos na vitrine do CRDança, um lugar de exposição para todos. Desse processo, levamos objetos das cavas para a vitrine e vamos criando composições com o público”, diz Morgana.

Entre algumas das criações está a videoperformance “Rainha do Minério”, na qual Morgana Mafra maquia os olhos usando a terra da cava minerária, com seus brilhos e pigmentos, indo da aparente beleza à monstruosidade formada por camadas grotescas de terra, numa crítica que remete à estética do luxo ao lixo. Em outra proposta, uma cadeia de fios de cobre conectados a sensores sonoros de movimento, inspirados no desenho de uma montanha, foi instalada na vitrine do CRDança, permitindo que o público interagisse com a obra.

“Esses fios estavam conectados a sensores de movimento, de maneira que o toque neles disparava alguns sons elencados a partir da cava. Há uma paleta sonora criada a partir da cava (sons de pedras, sons de máquinas, sons de vento, sons graves de piano, sons metálicos), podendo compor melodias a partir da minha interação com o fio e do público com o fio. Ou seja, o fio e os sons são dispositivos coreográficos, provocaram duetos entre eu e o público”, explica Morgana.

“No geral, a proposta do ‘Residir a Cava’ é que cada linguagem artística aconteça de forma independente, complementar, atravessando e contaminando a outra, e criando transversalidades. Ou seja, essas linguagens entram juntas no processo de criação. E não necessariamente são inseridas a posteriori, sendo uma a serviço da outra, como a luz pode estar a serviço de uma cena de teatro, por exemplo. Por isso, artisticamente também é um projeto especial”, completa Morgana.

SERVIÇO | “Residir a Cava”

Projeto de Morgana Mafra, com os artistas convidados Flávia Mafra, Luiz Pretti e Luiz Naveda

Quando. Interações todas as terças-feiras, entre 19h e 21h, até o dia 18/12 (quarta-feira). Até o fim de fevereiro, a vitrine do CRDança também abriga uma exposição da residência artística

Onde. Vitrine do CRDança, na área externa do Teatro Marília

(Avenida Professor Alfredo Balena, 586 – Santa Efigênia)

Quanto. Acesso gratuito ao público

MaisSite do projeto e perfil no Instagram

Cenario Minas
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