Agora em outubro, a Quik Cia de Dança fecha sua circulação de estreia da performance “O Sopro do Outro”, por parques e praças da capital mineira. Com direção de Marcelo Castro (Ex-Espanca!), o trabalho poderá ser visto pelos passantes nos dias 05/10, sábado, às 16h, na Praça Floriano Peixoto (Santa Efigênia), e, 06/10, domingo, às 16h, no Parque Jacques Cousteau (Betânia). O acesso é gratuito.
Mais informações sobre a programação, no instagram @quikciadedança. Com apoio da Funarte MG e o patrocínio do Instituto Unimed BH, este projeto de Nº 1549/2022 é realizado com recursos da Lei Municipal de Incentivo à Cultura de Belo Horizonte.
“O que é o sopro do Outro? Como eu sopro e como o outro sopra? Quem vier assistir à Quik nas ruas da cidade para ver dança, não vai encontrar”, comenta Letícia Carneiro, fundadora da Quik Cia de Dança. Desde 2010, ela conta que a companhia tem saído da caixa cênica para ocupar o espaço urbano. “Temos desejado o encontro com o público, no contexto urbano, desarticulando o estigma de que a arte é para poucos”, diz. Em “O Sopro do Outro”, a proposta é aprofundar esta investigação, da relação da dança com a performance, ousando novos caminhos: “É na intensidade dos encontros, nos diversos lugares da cidade, que nos abrimos para o sopro do outro, e deixamos escapar olhares, espanto, dor, estranhamento, dúvidas e possíveis conversas”, comenta.
O bailarino Rodrigo Quik, fundador da Quik ao lado de Letícia, acrescenta que a ideia é deixar reverberar esse encontro com o outro: “conversar, estranhar, desestabilizar os sentidos. O mundo está virtual, plastificado. Cada lugar é uma escolha e um convite para as relações. A gente se relaciona com o espectador que está passando para também estranhar e refletir conosco sobre como temos nos relacionado com as pessoas e com os espaços urbanos. “É dança? É performance? É cena? Fica sempre a pergunta”, sugere.
Na paisagem da cidade, os performers caminham e realizam ações simples, sempre acompanhados de um objeto. Rodrigo Quik corre e salta pelo espaço, lançando ao vento um pó, abordando com quem passa, questões sobre a morte. Naline enche sacos plásticos, ao som do mar, na rua Carijós: os saquinhos voam e mobilizam um quarteirão inteiro para buscá-los. Letícia convida os passantes a registrarem na bandeira que ela segura, suas respostas à pergunta: “Qual é a coisa mais importante da vida?”. Marise caminha com um espelho retangular, junto ao corpo, compondo imagens a partir das paisagens que são refletidas nele, oferecendo aos passantes e ao público, a possibilidade de ver além.
As ações dos bailarinos pertencem a roteiros feitos por eles mesmos. Ao longo do processo, muitas são experimentadas e descartadas. Outras permanecem e podem se modificar a partir dos encontros com o público ou com as necessidades de cada espaço. “Por exemplo, nos Centros Culturais, as ações ganham contorno mais intimista e a composição é coletiva, feita para espectadores que estarão sentados. Neste momento, todos os performers carregam um mesmo objeto, um espelho, e brincam com a metáfora de como o reflexo do outro e das paisagens, reverbera em mim”, comenta Rodrigo Quik.
Esses programas de composição de ações são baseados no método de criação da performer carioca Eleonora Fabião, referência proposta para o trabalho pelo diretor Marcelo Castro. “Pra mim, é hoje a artista mais interessante da cena brasileira”, comenta. Segundo Marcelo, Fabião propõe que cada intérprete tenha um programa ou uma espécie de roteiro de ações simples que são o motor da experimentação. “É uma artista interessada por poéticas e éticas do estranho, do encontro e do precário. Trabalha com matérias diversas: humanas e não-humanas, visíveis e invisíveis, leves e pesadas, estético-políticas”, explica.
Quando foi convidado para dirigir a Quik, Marcelo Castro, conhecido por trabalhos à frente do Grupo de Teatro Espanca!, acabava de voltar de um mergulho de dois anos de estudos no campo da performance e da dança, após um Máster em Madrid e uma residência, em Portugal, ao lado do artista cearense João Thiago Cavalcanti – discípulo da bailarina Lia Rodrigues (RJ). “Foram pesquisas sobre o ato performático de caminhar e de se movimentar na rua. Quando voltei, e veio o convite da Quik, fiquei surpreso com a coincidência. Eles queriam fazer um trabalho performativo. E logo falei: vamos estudar e praticar”, relembra.
Os encontros começaram em abril deste ano. Parte dos ensaios aconteceram na Funarte MG e no estúdio Com.Vida da Quik, no Pasárgada. Outros foram realizados nos próprios espaços públicos por onde a performance irá circular. Marcelo conta que, desde o início, ficou claro para todos que não seria a montagem de um espetáculo. “Estávamos vivendo um processo de criação mais próximo de ‘encontros para experimentar’ do que de ensaios propriamente. Cada ida para a rua, gerava uma ação diferente. Então, a gente foi experimentando e estruturando os roteiros”, conta.
Para o diretor, os desafios estão na própria natureza do trabalho. “Cada vez que a gente vai para o espaço público, as ações já estão acontecendo, o que nos coloca diante do inesperado. Como quando fomos ensaiar no Parque Municipal, em uma segunda, e estava fechado. Aí a gente entendeu que isso seguiria acontecendo. Cada experiência é única, tem um desenho, uma estrutura, mas também é absolutamente permeável ao momento. Porque é um trabalho que se insere na vida (e a vida é imprevisível). Para quem é surpreendido nas praças e parques, percebemos que o trabalho tem entrada fácil. As pessoas se aproximam, vem contar casos. O encontro acontece, é bonito de ver. O que vai acontecer, a gente não sabe. Mas estaremos fazendo o trabalho e buscando o encontro. Não é uma performance para ser assistida passivamente. Tem mistério e risco nisso: às vezes, o encontro se dá, às vezes, não”, diz.
Pensar a performance nesse lugar foi uma novidade para a bailarina convidada Marise Dinis, que já havia estado em cena com a Quik, no espetáculo Clariceanas, de 2008 a 2010. “Achei esse modo de construir e pensar a ação no espaço público muito interessante: pensar o corpo não a partir da dança. Quando estamos no espaço, temos que ficar atentos para que as ações não virem cena. A ação pode ser um ato de caminhar, de segurar uma bandeira, de transportar um espelho. A gente se destaca pela ação que faz e não por estarmos representando algo”, conclui.
Outra convidada, a bailarina Naline Ferraz, também já havia vivido outros processos performativos, mas conta que o diferencial deste foi o tempo. “O tempo de estudo, de debruçar sobre o programa performativo, de dar tempo para que o sopro do outro, através dos encontros com as pessoas e com os espaços de Belo Horizonte de fato acontecessem”. No roteiro proposto, à medida que Naline enche as bolinhas de plástico, muitas são levadas pelo vento e as pessoas, em volta, correm para ajudar. “Nessa hora, alguns perguntam o que estou fazendo: se é arte, apresentação. Teve gente que perguntou se era terapia (risos)”, diz. Segundo Naline, o grande desafio está em manter o roteiro de ações. “Marcelo nos orienta a não entregar o jogo (que é uma performance), porque se não a conversa acaba. Temos que nos manter fiéis ao programa que trouxemos, e, ao mesmo tempo, deixar a troca acontecer. A beleza está exatamente no encontro que se dá, por exemplo, com aquele que se dispôs a me ajudar, ou com aquele outro que preferiu observar de longe”, explica.
Quik Cia de Dança
A Quik Companhia de Dança foi fundada em 2000 no bairro Jardim Canadá – Município de Nova Lima – MG – Brasil pelos bailarinos Letícia Carneiro e Rodrigo Quik, com vasta experiência profissional em dança contemporânea no Brasil e exterior como integrantes do Grupo Corpo de 1984 a 1996.
A Cia completou em 2024, 24 anos de existência possuindo no seu repertório onze espetáculos. Nesse processo, construiu uma metodologia de criação artística, na qual sempre valorizou os procedimentos de pesquisas sistematizadas em dança contemporânea e suas interfaces com outras linguagens artísticas.
Desde 2006, a Cia tem focado suas pesquisas no campo da improvisação estruturada em dança. Para isso, tem investigado novos métodos de composição, construindo partituras de relações cênicas como um caminho possível. Novos olhares, entendimentos e possibilidades são construídos numa dramaturgia da relação. A Quik Cia de Dança aposta na constituição de um lugar de imprevisibilidade e acaso e, quem sabe, menos hierárquico e mais autônomo.
Atua também há 22 anos no bairro Jardim Canadá, por meio de seu projeto sociocultural o “Quik Cidadania”, com aulas gratuitas de dança, música, artes plásticas e grupos socioeducativo. O projeto oferece espaços de convivência, arte, entretenimento e educação, contribuindo com o desenvolvimento de crianças e adolescentes.
SERVIÇO
Quik Cia de Dança fecha temporada de estreia “Do sopro do outro”
05/10, sábado – 16h – Praça Floriano Peixoto (Santa Efigênia)
06/10, domingo – 16h – Parque Jacques Cousteau (Betânia)
Mais informações sobre a programação e sobre as inscrições para a oficina,
no instagram @quikciadedança.