A exposição individual de Jessica Lemos na galeria da Adro+ Centro Cultural convida o público a mergulhar em reflexões sobre a cultura quilombola e os desafios da identidade negra no Brasil. Através de fotografias, instalação e videoperformance, Lemos conecta as tradições do Quilombo Alto do Tororó, na Bahia, com temas universais como a resistência ao racismo e as imposições de gênero, oferecendo uma visão poética sobre a afrodiáspora.
A curadoria da exposição, realizada por Ricardo Coelho, valoriza as qualidades plástico-poéticas dos trabalhos de Jessica Lemos e os aspectos conceituais de sua pesquisa, que explora a identidade da mulher negra e sua luta constante em um contexto marcado pelo racismo e pelo patriarcado.
“Mocamba”, o ensaio fotográfico central da exposição, homenageia as tradições quilombolas e o protagonismo feminino na comunidade do Quilombo Alto do Tororó, em Salvador. Localizado à beira da Baía de Todos os Santos, o quilombo, com suas aproximadamente 400 famílias, resiste ao tempo através da mariscada, da pesca e da agricultura familiar. Em “Mocamba”, Jessica Lemos reinterpreta a figura da mulher quilombola, ressaltando sua força e espiritualidade, e subverte o termo “mucama”, associado à escravidão, transformando-o em símbolo de resistência.
Fotografia de Jessica Lemos
A instalação “Qual a cor da sua pele?” é composta por 16 retratos de mulheres negras, apresentando uma variedade de tonalidades de pele, intercalados com 4 espelhos que permitem ao visitante se ver entre as retratadas. Um áudio ambiente, com relatos de mulheres refletindo sobre como as diferentes tonalidades de suas peles impactam suas experiências cotidianas em uma sociedade racista, acompanha a instalação, criando um espaço de autorreflexão e empatia.
Na videoperformance “A contar gotas”, exibida de forma contínua, o público é convidado a observar a tentativa da artista de extrair gotas de um frasco com a palavra “AFETO” no rótulo. As gotas caem com dificuldade em uma colher que nunca se enche, enquanto a artista luta para captar o líquido. A obra é uma poderosa metáfora para as problemáticas afetivas na vida de mulheres negras, que muitas vezes recebem pouco ou nenhum afeto, refletindo o racismo e as imposições de gênero que desumanizam suas experiências.
Sobre a conexão entre as três obras apresentadas, Jessica Lemos destaca: “Os trabalhos costuram diferentes fases de minha trajetória artística através de linguagens distintas. O cerne da discussão nos três são questões políticas e sociais que envolvem a vida de mulheres negras.” Além disso, a artista reflete sobre o papel da arte na discussão das questões raciais e de gênero no Brasil atual: “Acredito que a arte tende a elucidar e expor questões de nosso tempo. Estamos em um momento em que a discussão sobre interseccionalidades, o combate às opressões e a revisitação de nossa história social estão em evidência em vários setores, como na escola, nas empresas e na saúde pública… então, na arte não seria diferente (…) E o mais importante é que essas discussões sejam protagonizadas pelos sujeitos que estão em seus lugares de fala. Não queremos mais uma arte feita sobre o olhar do outro sobre nossas questões. Estamos fazendo arte para e sobre nós mesmos e nossos semelhantes.”
Conversa de artista
Na abertura da exposição, que ocorrerá no dia 24 de agosto, às 18h, haverá também a ação “Conversa de artista”, um bate-papo entre Jessica Lemos e o público, proporcionando um espaço para discussões sobre os temas abordados nas obras. De acordo com o curador Ricardo Coelho, quando se pensa em uma exposição, é necessário considerar que esse espaço de comunicação é também um espaço de aquisição e ampliação de conhecimentos. “O encontro entre uma artista negra e baiana com outras experiências e modos de ver e compreender o mundo pode ampliar a nossa própria maneira de perceber esse mundo. Nessas conversas, temos a possibilidade de ver um panorama maior da produção dos artistas, entendendo de onde essa pessoa veio, o que essa pessoa é e em qual local ela pretende ou gostaria de chegar.”
Ricardo Coelho ainda acrescenta que essa atividade permite ao público dialogar diretamente com a artista, confrontando diferentes modos de ver e conceber o mundo. “Como uma mulher e artista negra percebe a própria negritude? Como essa negritude multicolor afeta a vida de mulheres negras numa sociedade machista e racista como o Brasil? Como as relações de afeto são atravessadas pela violência extrema que ameaça a integridade física e psicológica dessas mulheres a todo o instante? São perguntas como essas que me motivaram a propor uma mostra com três obras tão ricas como a instalação multimídia ‘Qual a cor de sua pele’, os retratos da série ‘Mocamba’ e o trabalho de videoarte ‘A contar gotas’. Espero que o público aproveite essa oportunidade de sentar e conversar com uma artista tão interessante.”
Para garantir acessibilidade, a conversa contará com tradução em Libras-Português (Língua Brasileira de Sinais), ampliando o alcance e a inclusão do evento.
Sobre a artista:
Jessica Lemos, nascida em 1993 em Cândido Sales, sertão da Bahia, é fotógrafa e artista visual. Doutoranda em Artes Visuais pela UFBA, Mestre em Processos Criativos pela UFSJ e Graduada em Comunicação pela UFBA, vive e trabalha em Salvador, onde pesquisa performance e arte urbana. Seu trabalho, focado nas relações políticas e sociais na vida de mulheres negras a partir da afrodiáspora, já foi exibido em diversas exposições, como no Ciclo de Mostras do BDMG Cultural (MG) em 2021. Em 2016, Jessica lançou o livro fotográfico “Mocamba”, uma narrativa sobre o feminino negro em quilombos da Bahia, que hoje faz parte do acervo do IMS-São Paulo.
Adro Galeria
A ADRO foi inaugurada no dia 8 de dezembro de 2017 como galeria de arte, e, a partir de 2021, passou a funcionar como centro cultural, com uma diversificada programação ofertada de forma gratuita. Iniciativa de um grupo de artistas, a ADRO+ Centro Cultural, agora também Ponto de Cultura, tem como objetivo a ampliação e democratização do acesso às diversas manifestações artísticas e culturais, além da formação continuada de público por meio de ações educativas e do fomento a novas práticas e pesquisas artísticas, promovendo a troca de saberes populares, acadêmicos e artísticos.
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