O mercado, acostumado a privilegiar o jovem e o novo, se depara agora com a escassez da maturidade
Eles movimentam trilhões, decidem compras para toda a família e ainda assim quase não aparecem nos comerciais. A população com mais de 60 anos cresce em ritmo acelerado e, até 2050, fará do Brasil o sexto país com a maior concentração de idosos no mundo. A curva demográfica já mudou o mercado, mas a propaganda ainda corre atrás, em busca de novas lentes e de um casting capaz de espelhar a maturidade desse público.
“Há dificuldade real em contratar pessoas para o casting nessa faixa etária, porque, por décadas, elas quase não foram chamadas para fazer publicidade. O resultado é um círculo vicioso: não se contrata porque ‘não tem’, e não tem porque nunca se investiu em mostrar essa maturidade nas campanhas”, explica Alexandre Level, diretor de criação e sócio da agência Kind Branding.
O depoimento do publicitário é sintomático de um desafio nacional. O mercado, acostumado a privilegiar o jovem e o novo, se depara com a escassez justamente de rostos que transmitam a credibilidade e a diversidade da longevidade.
Economia prateada
Os números dão a dimensão exata dessa revolução. No cenário global, a Economia Prateada, o mercado de pessoas com 50 anos ou mais, já é considerada a terceira maior atividade econômica do planeta, movimentando impressionantes $7,1 trilhões de dólares anualmente.
No Brasil, esse mercado não fica para trás. A longevidade é responsável por R$1,7 trilhão por ano, abraçando uma base de 54 milhões de consumidores 50+. As projeções são ainda mais audaciosas: a movimentação financeira ligada à longevidade deve alcançar R$3 trilhões até 2030. É um oceano de oportunidades que a publicidade precisa aprender a navegar.
Com tamanho poder de compra, o público maduro não aceita mais ser retratado como frágil, dependente ou alheio às novidades. Muitas marcas, no entanto, ainda tropeçam. Um levantamento da consultoria Box1824 aponta uma lacuna profunda: 54% do público da Economia Prateada afirma, categoricamente, não se ver representado pela publicidade atual.
“É preciso superar os estereótipos rasos e criar campanhas autênticas que espelham a verdadeira diversidade e os interesses multifacetados desse público. O consumidor 50+ pode ser um maratonista, um empreendedor digital, um avô que viaja o mundo ou alguém que está, enfim, começando uma nova carreira”, defende Level.
Segundo o publicitário, essa complexidade exige um trabalho de letramento sobre longevidade nas empresas, uma educação interna para que o olhar externo seja verdadeiro.
Diversidade geracional começa em casa
E é dentro das próprias agências que reside um dos maiores paradoxos e desafios. O Censo de Diversidade das Agências Brasileiras, realizado pelo Observatório da Diversidade na Propaganda (ODP) e pela Kairós, revela que apenas 6% dos profissionais de publicidade têm 50 anos ou mais.
Como falar de maneira autêntica para um público que representa a maturidade, se quem está criando as mensagens é, majoritariamente, jovem? A resposta para a agência Kind, de Level, passa pela valorização da experiência no time criativo: “Na Kind, ter pessoas experientes na nossa equipe sempre foi um valor nosso. Existe um ganho de possibilidades, visões, insights criativos quando cultivamos uma diversidade geracional no time.”
A experiência e o repertório dos profissionais 50+ na agência se tornam um espelho, uma ponte real para o entendimento e o respeito ao consumidor prateado. É a prova de que a longevidade, antes vista como custo ou fim de carreira, é, na verdade, um insumo valioso e uma fonte de inovação criativa.