A artista mineira Naira Pennacchi, hoje residente entre Ribeirão Preto e Lisboa, abre a exposição Lições da Pedra, com curadoria de Mario Gioia, na Pinacoteca – Fórum das Artes de Botucatu neste sábado, 04/05, a partir das 15h . Na mostra, mais de 20 trabalhos do artista, muitos deles inéditos, apresentam olhares de Naira sobre as realidades interioranas e a pesquisa sobre a ancestralidade em diversos suportes e trabalhos, em sua maior parte inéditos.
Naira é natural de Jacutinga e navega por diversas cidades do interior, como Jaú e a cidade Natal, onde possui parentes. “Sou do interior de Minas Gerais e hoje moro na cidade grande, entre Ribeirão Preto e Lisboa, mas retorno para esses lugares pois eles são faíscas que viram chamas para minha criatividade e minha produção artística”, afirma o artista.
Entre a produção em pinturas apresentadas na exposição, estão as características telas nas quais Naira deposita pigmentos duradouros, vindo a sua validade, sobre chassis montados com teleiros (elemento muito presente em diversos contextos da vida rural) de modo a quase realizar um ponto-cruz de tinta sobre esses vazios, criando uma tecitura de cores e paisagens que agregam elementos pictóricos e paisagens às que compõe.
Frame do vídeo Faca Amolada, de 2024, que integra a exposição
A série que dá nome à exposição, “Lições da Pedra”, é inédita e conta com vídeos, objetos, instalações escultóricas e sonoras . Os limites do ritual e da performance, os limites das moradias, todos esses conceitos vão sendo borrados e reconhecidos no trabalho de Naira. “Tudo começou com João Cabral de Melo Neto e a ‘Educação Pela Pedra’. O livro era muito incompreensível para mim, mas eu queria muito ler. E nesse momento eu li o livro em 15 dias três vezes. Muitos dos títulos dos trabalhos são trechos ou versos do livro. O Sertão, seja ele de Minas Gerais, do Piauí, ou de Portugal, esse sertão no sentido mais amplo de um interior, é um só”, pondera Pennacchi. Naira segue com a pesquisa sobre os saberes ancestrais no próximo ano e tem projetos para realizar esse levantamento também do lado de lá do oceano
O interesse pelo futuro ancestral vem desde criança. “Tinha sede em participar e rever as tradições e saberes populares que já não se encontram mais no interior de Minas Gerais, mais precisamente em minha cidade natal, Jacutinga. A cartografia desse meu interesse foi despertada pela convivência com meus pais, avós e comunidade local, rural e urbana de onde nasceu e cresceu”, diz. Naira é neta de bordadeira, de onde herda as artes têxteis que integram elementos de seus trabalhos, e teve contato com as obras do pintor, o desenhista, pintor, muralista e ceramista ítalo-brasileiro Fulvio Pennacchi, que foi integrante do Grupo Santa Helena, juntamente com Alfredo Volpi, Francisco Rebolo, Aldo Bonadei, ainda na infância, como o sobrenome pode atestar.
Rituais como benzimento praticado por Dona Merô, anfitriã de Naira e uma das poucas benzedeiras vivas e muito solicitadas na região; ceramistas de barro que transformam matéria bruta em obras de arte enquanto contam histórias e preservam memórias; casas de farinha nas quais a mandioca vira farinha. É no trabalho repetitivo e conectado ao ancestral que o artista constata que também moram percursos que guardam estratégias de preservação ambiental – e que reverberam nos vídeos que integram a exposição, todos eles feitos no Piauí. “Foi no Piauí que tive o privilégio de encontrar tudo aquilo que procurava, prestou a desaparecer em alguns anos, uma vez que a nova geração não se interessa mais em dar continuidade a muitas dessas práticas, como mulheres raizeiras do cerrado, que provocam o repensar de ideias ocasionais de território, já que coletam e manejam as paisagens repletas de plantas medicinais para a cura de doenças do corpo e da alma”, afirma.
Naira participou de muitos outros trabalhos-rituais, como o de benzimento, minutos a fio,
recebendo orações por sua palavra poderosa através de gestos e instrumentos e os transformados em sua arte. “O corpo enquanto território das experiências cotidianas tece nas culturas das sociedades um repertório em constante construção”, aponta o artista. “Todas estas atividades são praticadas por mulheres, mestras detentoras de sabedorias ancestrais geradas em ventres, terras, águas, fogos e céus”, conclui. Das inúmeras obras produzidas, serão apresentadas na exposição em Botucatu, que segue para Itu e Ribeirão Preto, os vídeos Faca Amolada, Mulher Vestida de Gaiola e Basalto.
Cores e paisagens em livro
Naira está presente na coletiva em cartaz na cidade de São Paulo “A Memória é uma paisagem contemplada de um trem em movimento”, na Galeria Izabel Pinheiro, que segue em cartaz até o dia 26 de abril , e também lança na SP-Arte, maior feira de arte da América Latina, no dia 4/4 pela editora WMF Martins Fontes um livro que reúne 12 anos de sua produção , nas suas diferentes fases e séries. A mostra Lições da Pedra segue em itinerância ainda em 2025 pelas cidades de Itu e Ribeirão Preto
Nas palavras do texto da curadora e psicanalista Bianca Dias sobre seu trabalho, “são paisagens internas, de um interior que pode ser de casa, da cultura caipira, ou paisagens de uma instância afetiva, psicológica e subjetiva”, delineia. “A amizade acontece não como representação, mas como enigma”, completa a crítica que destaca o uso das cores do artista, que remete a artistas do calibre de Matisse e Cristina Canale. Uma “paleta carregada de pulsação própria, como se sua cor convocasse outras, numa atmosfera imersiva de sonho e delírio”, descreve Dias.
Serviço:
Pinacoteca Fórum das Artes de Botucatu
Rua Geral. Telles, 1040 – Centro, Botucatu – SP
Horário de abertura: 15h
Telefone: (14) 3811-1470
Quarta a sexta, das 8h30 às 17h
Sábado e domingo, das 11h às 17h