O trabalho temporário no período de fim de ano assume papel de destaque no cenário trabalhista brasileiro, especialmente diante da projeção de aproximadamente 535 mil contratos temporários entre Outubro e Dezembro de 2025, segundo estimativa da Associação Brasileira do Trabalho Temporário (ASSERTTEM), o que representa um incremento em torno de 7,5% em relação ao ano anterior. Desse universo, cerca de 50% das contratações concentram-se na indústria, seguidas pelos setores de serviços (30%) e comércio (20%), evidenciando o impacto direto do acréscimo sazonal de demanda sobre a necessidade de reforço de pessoal. Essa movimentação, entretanto, somente se revela juridicamente saudável quando conduzida em estrita observância aos parâmetros da Lei nº 6.019/1974 e da legislação trabalhista correlata, sob pena de conversão de uma oportunidade legítima em relevante fonte de passivo judicial.
A Lei nº 6.019/74 define o trabalho temporário como aquele prestado por pessoa física a uma empresa tomadora de serviços, para atender a necessidade transitória de substituição de pessoal permanente ou a acréscimo extraordinário de serviços.
Trata-se, portanto, de uma modalidade excepcional, vocacionada a suprir picos de demanda ou ausências temporárias, e não de instrumento para substituição estrutural de empregos permanentes ou de mecanismo permanente de redução de custos.
Destaca-se que o contrato temporário possui duração inicial de até 180 dias, consecutivos ou não, admitindo prorrogação por mais até 90 dias, também consecutivos ou não, desde que subsista a necessidade transitória que lhe deu causa, não podendo, em qualquer hipótese, ultrapassar o limite máximo de 270 dias. A extrapolação desses prazos, o uso reiterado e contínuo da mesma mão de obra como se empregada fosse, ou o desvirtuamento do motivo justificante da contratação ampliam significativamente o risco de reconhecimento de vínculo direto e por prazo indeterminado entre trabalhador e tomadora de serviços, com todas as repercussões de natureza salarial, rescisória, fundiária e previdenciária.
Embora revestido de natureza transitória, o trabalho temporário não é – e não pode ser tratado como – um vínculo precarizado ou destituído de proteção jurídica. Ao contrário, o ordenamento assegura ao trabalhador temporário uma série de direitos materiais que, em grande medida, aproximam-se daqueles conferidos aos empregados permanentes que exercem função equivalente. Dentre esses direitos, destacam-se: remuneração equivalente à dos empregados da tomadora que desempenhem a mesma função, assegurada a isonomia salarial e vedada qualquer forma de discriminação; observância, em regra, da jornada máxima de 8 horas diárias, ressalvadas hipóteses específicas previstas em normas coletivas, com pagamento de horas extras acrescidas de, no mínimo, 50%; depósitos regulares de FGTS incidentes sobre a remuneração; pagamento de 13º salário proporcional e de férias proporcionais acrescidas de 1/3, conforme disciplina própria do regime temporário; além de todos os recolhimentos previdenciários e encargos legais inerentes à relação de trabalho.
Então, sob a perspectiva do trabalhador, essa modalidade representa uma via de acesso ou de reinserção célere no mercado formal, especialmente em períodos de aquecimento da economia, sem renúncia às garantias mínimas erigidas pela legislação trabalhista.
Do ponto de vista empresarial, sobretudo para aquelas organizações que se preparam para o aumento expressivo de demanda no último trimestre do ano, a utilização do trabalho temporário exige planejamento jurídico, cuidado técnico e rigor na conformidade legal. A contratação deve observar a arquitetura típica do instituto: via de regra, há uma empresa de trabalho temporário, regularmente registrada, que contrata o trabalhador e o coloca à disposição da tomadora, mediante contrato escrito entre as empresas, no qual se especifica o motivo justificante, o prazo, o local da prestação de serviços e as condições gerais de execução do trabalho. Ao lado desse instrumento, deve existir contrato escrito com o trabalhador, em que se prevejam, de forma transparente, as condições de trabalho, a remuneração, a jornada e os direitos assegurados.
Cumpre ressaltar que a ausência de formalização adequada, a inexistência de justificativa concreta para a contratação temporária ou o uso do instituto excepcional em hipóteses que não guardam relação com acréscimo extraordinário de serviço ou substituição transitória de pessoal permanente fragilizam a defesa patronal e aumentam a probabilidade de reconhecimento judicial de fraude à legislação trabalhista.
É igualmente imprescindível que as condições oferecidas ao trabalhador temporário sejam compatíveis com aquelas praticadas em relação aos empregados permanentes que exercem funções idênticas ou equivalentes na empresa tomadora, sob pena de caracterização de tratamento discriminatório. Isso abrange não apenas a remuneração, mas também a jornada, os intervalos, o acesso a instalações, a observância de normas de saúde e segurança, bem como a inserção mínima nas rotinas de integração e treinamento. A jurisprudência trabalhista em todo o País tem sido firme no sentido de que a utilização do trabalho temporário não autoriza a criação de um “subemprego” ou de um “empregado de segunda classe”, sob pena de afronta aos princípios da dignidade da pessoa humana, da isonomia e da valorização social do trabalho.
O descumprimento dos requisitos legais relativos à finalidade, à duração, à forma de contratação e à igualdade de tratamento pode desencadear consequências significativas: reconhecimento de vínculo de emprego direto com a tomadora de serviços, com enquadramento por prazo indeterminado; condenação ao pagamento de diferenças salariais, verbas rescisórias típicas de dispensa sem justa causa, depósitos e multas de FGTS, bem como demais reflexos legais; responsabilização solidária ou subsidiária entre empresa de trabalho temporário e tomadora, a depender da configuração fática; além de potenciais repercussões em fiscalizações administrativas e autuações por parte dos órgãos de inspeção do trabalho. Em um cenário de forte judicialização das relações laborais, negligenciar esses aspectos representa exposição desnecessária a risco jurídico e financeiro.
Segundo Pedro Curi, essas contratações típicas de fim de ano cumprem papel relevante na dinamização do mercado de trabalho, funcionando como importante instrumento de ajuste produtivo e de atendimento a picos de demanda. Todavia, sua sustentabilidade está diretamente condicionada à observância rigorosa da legislação por parte de empresas tomadoras, empresas de trabalho temporário e intermediadores em geral. O trabalhador, por sua vez, precisa estar adequadamente informado acerca de seus direitos, de modo a identificar eventuais irregularidades, buscar orientação técnica e, se necessário, acionar os mecanismos de tutela judicial. A previsão de que aproximadamente metade das contratações recairá sobre a indústria reforça o caráter planejado desse tipo de admissão: é necessário dimensionar equipes com antecedência, ajustar linhas de produção, organizar escalas e, paralelamente, garantir integração minimamente adequada desses profissionais ao ambiente de trabalho, evitando improvisações que resultem em violações à lei.
Em síntese, o uso juridicamente adequado do contrato temporário de fim de ano pressupõe atenção a alguns eixos estruturantes: observância estrita das hipóteses legais de contratação e dos prazos máximos permitidos; garantia de igualdade de condições em relação aos empregados permanentes que exercem funções similares; formalização escrita e precisa dos contratos entre empresa de trabalho temporário, tomadora e trabalhador; correta gestão dos encargos trabalhistas, previdenciários e fundiários; e transparência nas condições pactuadas, prevenindo-se fraudes e litígios desnecessários.
Por fim, como bem pontua Pedro Curi, o fim de ano é, simultaneamente, período de ampliação de oportunidades e de intensificação da responsabilidade jurídica, impondo o respeito integral às regras da Lei nº 6.019/74 e a promoção de um ambiente de trabalho justo, seguro e equilibrado para todos os envolvidos. Quando utilizado com técnica, planejamento e boa-fé, o trabalho temporário deixa de ser um foco potencial de discussão judicial e se consolida como instrumento legítimo de flexibilidade produtiva para as empresas e de inclusão ou reinserção profissional digna para o trabalhador.
Crédito – Marcello Casal Jr/ Agência Brasil