Em sua 14ª edição internacional, o Festival Artes Vertentes — que acontece de 11 a 21 de setembro nas cidades históricas de Tiradentes, São João del-Rei e Bichinho, (MG) — reafirma seu papel como plataforma de diálogo entre as culturas das margens do Atlântico e de incentivo à criação contemporânea. A programação musical de 2025 se ancora na escuta de repertórios clássicos e populares, lançando luz sobre a história compartilhada entre Europa, África e Américas, por meio de estreias mundiais, obras encomendadas, redescobertas históricas e interpretações de excelência.
Neste ano, o festival integra oficialmente a Temporada Cultural França-Brasil e homenageia os 150 anos de nascimento de Maurice Ravel com um extenso panorama de sua produção vocal e camerística. A obra do compositor francês — nascido em Ciboure, no País Basco, às margens do Atlântico — será apresentada em diálogo com suas referências jazzísticas e coloniais. Ao lado das Sonatas para violino e piano, do Trio para piano, violino e violoncelo e da Introdução e Allegro, a soprano Eliane Coelho, nos dias 13 e 16 de setembro, interpreta o ciclo Chansons madécasses, baseado em poemas de Évariste de Parny que questionam a lógica da colonização francesa nas ilhas do Índico.
Destacam-se também interpretações de obras de Florence Price, primeira mulher afro-americana a ser reconhecida como compositora sinfônica e a ter uma obra executada por uma grande orquestra nos Estados Unidos. Autora de mais de 300 composições — entre elas quatro sinfonias, quatro concertos, peças corais, música de câmara e solos instrumentais — sua produção revela camadas profundas da experiência negra no país. Também integra o repertório do festival o trabalho de Joseph Boulogne, Chevalier de Saint-Georges, filho de um colonizador francês com uma mulher escravizada, que se tornou professor de Marie Antoinette, exímio espadachim e o primeiro compositor negro reconhecido na Europa, frequentemente comparado a Mozart. Sua trajetória revela tanto os apagamentos quanto as complexidades da presença negra na história da música europeia.
A curadoria musical, assinada por Luiz Gustavo Carvalho, propõe ainda uma escuta cruzada entre repertórios europeus e latino-americanos. Um exemplo é o encontro entre as Histoires naturelles, de Ravel, e as Lendas Amazônicas, do paraense Waldemar Henrique, articuladas na voz do barítono Michel de Souza, que se apresenta em 14/09. A presença de obras de George Gershwin (EUA), Ernesto Lecuona (Cuba), Sigismund Neukomm (Áustria), Francisco Mignone, Brasílio Itiberê e Heitor Villa-Lobos (Brasil) amplia esse campo de diálogo musical transatlântico, ativando linguagens híbridas entre o erudito, o popular e o afro-diaspórico.
“A programação musical deste ano nasce do desejo de traçar conexões entre repertórios históricos e questões contemporâneas. Quando escolhemos destacar a obra de Ravel, por exemplo, não foi apenas por sua relevância no repertório clássico, mas pela escuta que ele estabeleceu com outras culturas, especialmente o jazz afro-americano e referências coloniais. Essas interseções revelam muito do que nos interessa curatorialmente: tensionar fronteiras, desestabilizar hierarquias e propor novas escutas entre as margens do Atlântico. O Festival não se limita a repetir obras consagradas — ele busca ativar suas camadas políticas, poéticas e históricas, sem perder o compromisso com a excelência artística”, explica o curador.
A programação reforça ainda o papel do Festival como berço de novas criações contemporâneas. Um dos pontos altos da programação é a estreia mundial de O boi voador, composição inédita encomendada ao pianista e compositor paulista André Mehmari, que será apresentada pelos pianistas Cristian Budu e Gustavo Carvalho. A peça constitui uma resposta brasileira à célebre Le Bœuf sur le toit, de Darius Milhaud — obra composta a partir da escuta do choro, do maxixe e da música popular carioca durante a passagem do compositor francês pelo Brasil entre 1917 e 1919. Enquanto Milhaud mirava o sul, Mehmari propõe o caminho inverso: parte de temas e atmosferas da música francesa para produzir uma peça que atravessa linguagens, flerta com a cena boêmia do piano a quatro mãos e reinterpreta os cruzamentos do modernismo franco-brasileiro a partir de uma sensibilidade do século XXI.
“A ideia de compor O boi voador me provocou desde o início. Se Milhaud partiu do Brasil para compor Le Bœuf sur le toit, eu quis inverter esse movimento — partir da França e de sua tradição musical para responder, do nosso tempo, àquele gesto modernista. Usei o piano a quatro mãos como símbolo dessa travessia conjunta, dialogando com o espírito boêmio e cosmopolita que unia artistas, gêneros e territórios no início do século XX. Mas acima de tudo, essa peça é uma celebração da liberdade musical e do encontro entre mundos”, explica o compositor André Mehmari.
A curadoria musical deste ano também homenageia o compositor francês Ferdinand Jouteux, que viveu em Tiradentes no início do século XX. Uma seleção de suas obras camerísticas será interpretada pela Orquestra e Banda Ramalho — formação tradicional da cidade criada no século XIX — e por músicos convidados do Festival Artes Vertentes. O resgate da obra deste compositor francês que foi aluno de Jules Massenet e também diretor do Conservatório de Oran, na Argélia, será acompanhado de uma pequena exposição contendo cartas, manuscritos, objetos pessoais do compositor e registros fotográficos da encenação de sua ópera Canudos, a partir do livro “Os Sertões”, de Euclides da Cunha. A exposição acontecerá no IPHAN de Tiradentes, em parceria com o Instituto Histórico e Geográfico de Tiradentes.
A programação se completa com apresentações de alguns dos principais nomes contemporâneos da música brasileira. No domingo, 14 de setembro, Fabiana Cozza sobe ao palco do Museu de Sant’Ana com repertório voltado à ancestralidade afro-brasileira. O encerramento do festival, no dia 21, contará com show do cantor e compositor Tiganá Santana, cuja obra articula línguas africanas, filosofia e afrossonicidades.

Elise Pittenger | Foto: Daniel Fogli
Sensível às desigualdades estruturais da música de concerto, o festival também reafirma seu compromisso com a equidade de gênero na seleção de intérpretes. Estão presentes nomes como a soprano Eliane Coelho, a clarinetista Cássia Lima e a violoncelista norte-americana Elise Pittenger. Apesar das limitações impostas pela própria história da música erudita — marcada por uma baixa presença de compositoras e intérpretes no cânone — a curadoria sinaliza caminhos possíveis ao ampliar o protagonismo feminino nos palcos.
Combinando tradição, escuta crítica e invenção estética, o Festival Artes Vertentes 2025 estabelece mais uma vez seu lugar singular no cenário das artes, como espaço de criação, encontro e provocação entre tempos, territórios e vozes.
O Festival Artes Vertentes é apresentado pela Cemig e tem patrocínios do Itaú e Minasmáquinas por meio da Lei Federal de Incentivo à Cultura e da Lei Estadual de Incentivo à Cultura do Estado de Minas Gerais.

Sobre o Festival Artes Vertentes
Criado em 2012 por Luiz Gustavo Carvalho e Maria Vragova, o Festival Artes Vertentes é um projeto realizado pela Ars et Vita e pela Associação dos Amigos do Festival Artes Vertentes. O evento vem apresentando, ininterruptamente, uma programação artística que estimula diálogos entre as mais diversas linguagens artísticas e propõe, por meio da arte, reflexões sobre temas de relevância para a sociedade contemporânea. Vencedor do prêmio CONCERTO 2021 e nomeado para o prêmio internacional Classic: NEXT Innovation Award 2022, durante as últimas doze edições, o Festival Artes Vertentes já recebeu mais de 550 artistas, originários de 40 países. Mais informações no site www.artesvertentes.com
SERVIÇO
Datas: de 11 a 21 de setembro
Locais: Centro Cultural Yves Alves, Instituto Rouanet, Museu de Sant´Ana, Casa Museu Padre Toledo, Galeria do IPHAN, Igreja São João Evangelista, Centro Cultural UFSJ – Solar da Baronesa (São João del Rey), entre outros.
Ingressos: Parte da programação é gratuita; vendas e retirada de ingressos serão abertas em breve por meio do site do Festival Artes Vertentes
Site: https://www.artesvertentes.
Redes Sociais: @artesvertentes